quinta-feira, 12 de março de 2015

Como o bilinguismo afeta as crenças das crianças



                                                                                     foto: Concordia University

Um estudo da Universidade de Concordia mostra que crianças expostas a duas línguas têm expectativas diferentes do que aquelas que são monolíngues.

A educação de segunda língua poderia promover a aceitação da diversidade física e social.

Uma educação numa segunda língua desde a primeira infância poderia promover a aceitação da diversidade social e física.

A maioria das crianças são essencialistas: elas acreditam que as características humanas e animais são inatos. Esse tipo de raciocínio pode levá-las a pensar que traços como língua nativa e preferência por roupas são intrínsecos ao invés de adquiridos.

Mas um novo estudo da Universidade de Concordia sugere que certas crianças bilíngues são mais propensas a entender que é o que se aprende, mais do que o que se nasce com, que compõe os atributos psicológicos de uma pessoa.

O estudo, a ser publicado na revista Developmental Science, sugere que o bilinguismo nos anos pré-escolares podem alterar as crenças das crianças sobre o mundo ao seu redor. Ao contrário de seus pares monolíngues, muitas crianças que foram expostas a uma segunda língua depois de três anos de idade acreditam que os traços de um indivíduo surgem a partir da experiência.

Para o estudo, a professora de psicologia Krista Byers-Heinlein e sua coautora, Bianca Garcia, testaram um total de 48 crianças de cinco e seis anos, monolíngues, bilíngues simultâneas (que aprenderam duas línguas ao mesmo tempo) e bilíngues sequenciais (que aprenderam um idioma e em seguida outro).

Contaram a elas histórias sobre bebês nascidos de pais ingleses, mas adotados por italianos, e sobre patos que foram criados por cães. Então, foram questionadas se aquelas crianças quando cresceram, falavam inglês ou italiano. E se os bebês nascidos de pais pato grasnavam ou latiam. As crianças também foram interrogadas sobre se o bebê nascido de pais pato teria penas ou pelos.

"Nós previmos que a experiência própria do aprendizado da língua dos bilíngues sequenciais, os ajudaria a entender que a linguagem humana é aprendida, mas que todas as crianças esperariam que outras características, tais como: vocalizações animais e características físicas de serem inatas", diz Byers-Heinlein.

Ela se surpreendeu com os resultados. Os bilíngues sequenciais entenderam, de fato, mostraram crenças essencialistas reduzida sobre a língua - eles sabiam que um bebê criado por italianos iria falar italiano. Mas eles também foram significativamente mais propensos a acreditar que as características físicas e vocalizações de um animal são aprendidas através da experiência - que um pato criado por cães iria latir e correr, em vez de grasnar e voar.

"Tanto os monolíngues quanto os aprendizes de uma segunda língua mostraram alguns erros em seu pensamento, mas cada grupo fez diferentes tipos de erros. Os monolíngues eram mais propensos a pensar que tudo é inato, enquanto os bilíngues eram mais propensos a pensar que tudo se aprende”, diz Byers-Heinlein.

"Os erros sistemáticos das crianças são realmente interessante para psicólogos, porque eles nos ajudam a entender o processo de desenvolvimento. Nossos resultados fornecem uma impressionante demonstração de que a experiência cotidiana em um domínio - aprendizagem de línguas -. Pode alterar as crenças das crianças sobre uma vasta gama de domínios, reduzindo o viés essencialista das crianças”.

O estudo tem implicações sociais importantes porque os adultos que possuem crenças essencialistas mais fortes são mais propensos a endossar os estereótipos e atitudes preconceituosas.

"Nossa descoberta de que o bilinguismo reduz crenças essencialistas levanta a possibilidade de que a educação precoce numa segunda língua poderia ser usada para promover a aceitação da diversidade humana", diz Byers-Heinlein.


Publicado em 13 de janeiro de 2015 |

Por: Cléa Desjardins


Tradução do original How bilingualism affects children’s beliefs

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Como as Crianças Aprendem a Ler


Por que é mais fácil para algumas pessoas aprender a ler e difícil para outras? É uma pergunta difícil, com uma longa história. Sabemos que não se trata apenas de inteligência bruta, nem é inteiramente sobre a repetição e persistência obstinada. Sabemos também que existem algumas condições que, esforço à parte, pode atrasar uma criança. O nível socioeconômico, por exemplo, foi de forma confiável ligado à conquista da leitura. E, independentemente da sua origem, crianças com habilidades verbais mais baixas em geral e aqueles que têm dificuldades com o processamento fonético parecem sofrer. Mas o que está por trás dessas diferenças? Em primeiro lugar, como é que vamos aprender a traduzir símbolos abstratos em sons com significado e por que algumas crianças são melhores nisso do que outras?

Este é o mistério que tem animado o trabalho de Fumiko Hoeft, uma neurocientista e psiquiatra atualmente na Universidade da Califórnia, em San Francisco. "Você sabe de onde a cor de seus olhos veio, suas características faciais, seu cabelo, sua altura. Talvez até mesmo a sua personalidade, estou teimoso como a mãe, desleixado como o pai”, diz Hoeft. "Mas o que estamos tentando descobrir é, olhando para as redes cerebrais e notando tudo no meio ambiente, que é onde a capacidade de leitura se origina."

Nesse Outono, Hoeft e seus colegas da U.C.S.F. publicaram os resultados de um estudo longitudinal de três anos, olhando para a neurociência básica do desenvolvimento da leitura. Entre 2008 e 2009, Hoeft recrutou um grupo de crianças de cinco e seis anos de idade. Alguns vieram com histórias e previsões de dificuldade de leitura. Outros pareciam não ter fatores de risco óbvios. Além de passar por uma tomografia do cérebro, as crianças foram testadas pela capacidade cognitiva em geral, bem como uma série de outros fatores, incluindo o quão bem eles podiam seguir instruções e o quão coerentemente poderiam se expressar. Cada um dos pais também foi investigado, e a vida de cada criança em casa, cuidadosamente analisado: Como é que a criança passa o tempo em casa? Leem para ela com frequência? Quanto tempo ela gasta assistindo televisão? Três anos mais tarde, o cérebro de cada criança foi verificado novamente, e as crianças foram testadas em uma série de testes de leitura e fonológicos.

Quando Hoeft levou em conta todos os fatores explicativos que estiveram ligados à dificuldade de leitura no passado – risco genético, fatores ambientais, capacidade de linguagem pré-alfabetização, e da capacidade cognitiva total - Ela descobriu que apenas uma coisa consistentemente previu o quão bem uma criança aprendia a ler. E isso foi o crescimento da substância branca em uma área específica do cérebro, a região temporoparietal esquerda. A quantidade de substância branca que uma criança chegou com no jardim de infância não faz diferença. Mas a mudança de volume entre o jardim de infância e o terceiro ano do fundamental fez.


O que é a substância branca? Você pode pensar como se fosse uma espécie de autoestradas nas estradas neurais no cérebro, que ligam as várias partes do córtex e a superfície do cérebro. Informação, sob a forma de sinais elétricos, atravessa a matéria branca, permitindo a comunicação entre as diferentes partes do cérebro: você vê algo, você dá-lhe sentido, você interpreta esse significado. Hoeft viu um aumento no volume de vias na temporoparietal esquerda, que é central no processamento fonológico, fala e leitura. Ou, como Hoeft coloca, "é onde você faz o trabalho tedioso de associar sons e as letras e como eles se correspondem." Seus resultados sugerem que, se o aumento da substância branca não ocorre no momento crítico, as crianças terão uma dificuldade para descobrir como olhar para as letras e, em seguida, transformá-las em palavras que têm significado.
A descoberta de Hoeft baseia-se em pesquisas anteriores que ela realizou sobre dislexia. Em 2011, ela descobriu que, enquanto nenhuma medida comportamental poderia prever quais crianças disléxicas iriam melhorar suas habilidades de leitura, uma maior ativação neural no córtex pré-frontal direito, juntamente com a distribuição de matéria branca no cérebro poderia, com 72% de exatidão, oferecer tal previsão. Quando ela olhou para toda a ativação cerebral, enquanto as crianças realizavam uma tarefa fonológica inicial, o poder preditivo subiu para mais de 92%. Em todos, inteligência e Q.I.  não importava; O importante era um padrão organizacional muito específico dentro do cérebro.

Novas descobertas do grupo deram um passo adiante. Eles não apenas mostram que a matéria branca é importante. Eles apontam para uma fase crucial em que o desenvolvimento da substância branca é fundamental para a capacidade de leitura. E o desenvolvimento da substância branca, Hoeft acredita, é certamente uma função tanto da natureza e da criação. "Nossos resultados podem ser interpretados no sentido de que ainda há influência genética", diz Hoeft, observando que diferenças estruturais no cérebro preexistentes, podem realmente influenciar o futuro desenvolvimento da substância branca. Mas, acrescenta, "É também provável que o desenvolvimento da substância branca dorsal está representando o ambiente o qual as crianças são expostas a entre o jardim de infância e terceira série. O ambiente doméstico, o ambiente escolar, o tipo de ensino de leitura que está recebendo.”.
Ela compara com a história do Dr. Seuss: Horton e o ovo. Horton senta-se em um ovo que não é o seu, e, por causa de sua dedicação, a criatura que, eventualmente, choca parece meio como sua mãe, e metade como o elefante. Neste caso em particular, Hoeft e seus colegas ainda não pode separar causa e efeito: Foram determinadas crianças predispostas a se desenvolverem fortemente, via da substância branca que, em seguida, ajudou-os a aprender a ler, ou foi uma instrução superior e um ambiente rico estimulando a construção desses caminhos?

O objetivo da Hoeft não é só para entender a neurociência da forma como as crianças leem. A neurociência é a ferramenta para descobrir uma questão muito mais ampla: Como a educação para a leitura deve ocorrer na infância? Em outro estudo, que acaba de ser submetido para publicação, Hoeft e seus colegas tentam transformar sua compreensão da capacidade de leitura para ajudar a identificar os métodos de ensino mais eficazes que poderiam ajudar a desenvolvê-la. Normalmente, as crianças seguem um caminho muito específico para leitura. Em primeiro lugar, há o processo fonológico fundamental - a consciência de sons específicos. Esta consciência se constrói em fonética, ou a capacidade de decodificar um som de acordo com uma letra. E esses, enfim, se fundem na compreensão de leitura automática. Algumas crianças, no entanto, não seguem esse caminho. Em alguns casos, as crianças que têm problemas com a consciência fonológica de base, no entanto, dominam a decodificação fônica. Há também crianças que têm problemas com a decodificação, mas a sua compreensão da leitura é alta. "Queremos usar esses casos surpreendentes para entender o que permite que as pessoas sejam resilientes", diz Hoeft.
Ela estudou, em particular, um conceito conhecido como dislexia discreta (stelth dyslexia) : pessoas que têm todos os ingredientes de dislexia ou outros problemas de leitura, mas acabam superando-os e tornam-se leitores fluentes. Hoeft pode até ser um deles: ela suspeita que ela sofre de dislexia não diagnosticada. Como criança no Japão, ela tinha uma dificuldade com o processamento fonológico muito semelhante à vivida por disléxicos, mas na época o diagnóstico não existia lá. Ela sofreu sem perceber até a pós-graduação que uma possível explicação para o problema dela existia na literatura científica. Estudar esses disléxicos, Hoeft postula, pode ser a chave para descobrir como melhorar a educação para a leitura de forma mais ampla. Estes disléxicos discretos têm problemas de leitura, mas são capazes de desenvolver alta compreensão de tudo, da mesma forma.
O grupo de Hoeft, ela me disse, descobriu que os disléxicos discretos exibem um córtex pré-frontal dorsolateral único. Essa é a parte do cérebro que é responsável, entre outras coisas, pela função executiva e a do autocontrole. Em disléxicos discretos, parece ser particularmente bem desenvolvida. Isso pode ser em parte genético, mas, Hoeft diz, mas pode apontar para uma experiência educacional em particular: “Se é a função executiva” superior que ajudar algumas crianças a se desenvolver apesar da predisposição genética para o contrário, isso é realmente uma boa notícia, porque a função executiva é algo sabemos bem como treinar “Existem vários programas em vigor” e vários métodos de ensino, testados ao longo dos anos, que ajudam as crianças a desenvolver a capacidade de autorregulação: por exemplo, as escolas KIPP que estão usando as pesquisas de Walter Mischel de autocontrole para ensinar as crianças a adiar a gratificação.

O que os estudos de Hoeft demonstram é que não importa o ponto de partida de uma criança no jardim de infância, o desenvolvimento da leitura também depende, em grande medida, dos próximos três anos, e que esses três anos podem ser usado para ensinar algo que Hoeft agora sabe ser amarrada a superação da dificuldade de leitura. "Isso pode significar que, nos estágios iniciais, é preciso prestar atenção para a função executiva", diz ela. "Precisamos começar a não apenas mostrando letras e sons da maneira que fazemos agora, mas, especialmente, se sabemos que alguém pode ser um leitor com dificuldade, olhar para estas outras habilidades, pelo controle cognitivo e autorregulação." Ser um melhor leitor, em outras palavras, pode envolver instruções em torno de outras coisas além da leitura.

Tradução do http://www.newyorker.com/science/maria-konnikova/how-children-learn-read